The broken column, Frida Khalo, 1944

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Queixam-se damas e meninas

Queixam-se damas e meninas
Por não terem quem as ame!
Queixo-me eu, desde pequenina,
Por ter a quem chame:
- "Meu Amor!"

Doem em damas e meninas
Corações pelo amado desconhecido!
Dói-me em mim, desde pequenina,
O ser pelo amado apartado:
- "Oh! Meu Amor !"

Desde que em dama me tornei
Dói-me o ser todo.
 O que me dói não
é a dor de não ter.
A dor de amar é bem maior !
- "Como sofro, meu Amor!"


(Amor e dor, Edvard Munch, 1894)

Existir é tanto


O acto de criar é solitário:
com canetas, papel e tintas...
 É tanto e, no entanto, tão só!

O acto de amar é solitário:
contigo, beijos, abraços, carícias...
 É tanto e, no entanto, tão só!

O acto de viver é solitário:
com todos, sons, cheiros, imagens...
É tanto e, no entanto, tão só!

Tão só porque só eu posso criar
e no momento em que o faço
sou eu a fazê-lo, ninguém em mim !

Tão só porque só eu te amo.
Só eu te beijo, abraço e acaricio.
Ninguém o pode fazer com minhas mãos
 e meus lábios e meu ser em ti...
Tão só porque só eu passo e sinto e vejo
os outros que me rodeiam
no horizonte de meus solitários olhos negros.
Ninguém vê com estes tristes olhos!...
Existir é tanto!
E, no entanto, é tão grande a solidão!...




(The archeologist, Giorgio di Chirico, 1927)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Mãos


Mãos!
Mãos que eu vejo.
Mãos que vivem e me fazem viver.
São aquelas que eu tenho,
que eu desejo e
que eu sinto
tuas lágrimas quererem reter!
As minhas mãos não são belas.
Nunca o foram.
Mas pelo que posso fazer com elas,
as minhas mãos são amor em coração,
são ânsia, são sofreguidão!
Minhas mãos, mãos minhas
que faria eu sem vós?
Minhas mãos, mesmo pequeninas
sois minhas,
diz minha voz !

(Museu Rodin, fotografia de A. Carvalhal)

A cabeça pesa com dor

A cabeça pesa com dor .
Peso de arratéis .
Peso de toneladas .
Corpo mole.
 Músculos doloridos.
Sangue sem cor.
 Voz em gemidos .
Tremuras escaldantes.
Quentes arrepios.
Golfadas de pús.
É este o meu ai-Jesus !


(The dream, Frida Khalo, 1939)


Na escuridão dos montes



Na escuridão dos montes, ali ao longe,
há velas tremendo em volts múltiplos.
A luz colorida de branco toma matizes de
cores mais escuras por entre as sombras
das árvores que eu não vejo mas sei.
São pontos estrelados.
Constelações com cor.
Estrelas de 1ª, 2ª e 3ª grandezas.
Sóis da vida, ali ao longe - tão perto !
Na curva do caminho vejo somente um sol.
Não! Dois, três já! - É que a curva do caminho
mostra outras paragens, outros escuros mundos
iluminados de vida na noite...


(chmeianoite.blogspot.com)



sábado, 26 de fevereiro de 2011

Oiço vozes para além do parapeito



Oiço vozes para além do parapeito da janela.
Um cantor, na falésia, sonha em beber o mar...
O cerúleo céu é sem cor !
E eu, aqui, dormitando em pesadelos,
Meço em 37,7 a minha dor !...

Pregões de mulher rouca:
Sardinhas e palavras poluídas -
Rasgos do dia pendurados na corda da roupa...
E eu, aqui, auscultando as minhas feridas,
Achaques, pústulas, tremuras...

Um noise surdo, vibrante, contínuo,
Entrecortado pelo tinir do ferro de engomar -
 em que a senhora ao lado é maestra !
E eu, aqui, em solfejos e gritos
Choro para desatino da orquestra !

É uma mulher que canta, agora.
É mesmo aqui ao lado, no quarto da engomadeira.
É uma mulher que contralta em gritos!
E eu, aqui, soprano, soltando gemidos
Enterrada nesta poltrona-cadeira !

Lá fora há passos e apitos,
Motores e um marulhar terrífico
De ruídos, barulhos, riscos ...
E eu, aqui, já minha cabeça estala ,
Já perdi o tempo, quiçá a fala !

Lá fora todos passam...
E eu ... para aqui, coitada !


(Henry Ford Hospital, Frida Khalo, 1932)

Eu ouço o verde e o vermelho


Eu ouço o verde e o vermelho -
O vazar e a enchente de ruído;
A cidade que caminha tropeçando
Em cada esquina em cruz.

Estas marés não se aproximam
Nem se afastam de leve, de mansinho!
São cheias e secas repentinas,
Abruptas, quais carnavalescas serpentinas
Existindo em rolo e logo se desfazendo,
Parando aqui e logo caminhando
Com pressa de não se chegar atrasado!

E o verde e o vermelho
Unidos pelo laranja - qual bandeira! -
Regem os destinos dos que passam;
Dos que vêm e vão com pressa
De chegar à Vida - com pressa
De viver - quão grande é o Letes a atravessar!

Não percais a memória de vós!
Não vos percais em águas tão longas!
Chamai-me, se quiserdes,
Para vos guiar!
Eu estou aqui!
Chamai-me que talvez saiba navegar!



(Agência o Globo, encontrado em: cidadaoquem.blog.br)

Canção em lágrimas



Rio de lágrimas…
Mar de lágrimas…
Oceano de lágrimas…

Ser de lágrimas…
Povo de lágrimas…
Terra de lágrimas…

Bala de lágrimas…
Espingarda de lágrimas…
Canhão de lágrimas…

Tecto de lágrimas…
Parede de lágrimas…
Casa de lágrimas…

Luta de lágrimas…
Batalha de lágrimas...
Guerra de lágrimas…

Palavras de lágrimas…
Estrofe de lágrimas…
Lágrimas em canção…

(31/1/2011 - Vila Verde)

(What the water gave me, Frida Khalo, 1938)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Dorme o meu sono


Meu amor é revolto mar de estival Outono.
(Ai! Dói-me! Dói-me!) Dói-me e amordaça,
Dorme o meu sono e a minha sede sufoca.

Meu amor é quente água da foz nascida.
(Ai! Vem! Vem!) Vem a mim e enrola,
Embala e magoa a minha ferida!
Meu amor é turvo rio de sequioso caudal.
(Ai! Sim! Cai! Cai!) Cai em mim e arranca,
Estrangula e mata a voz de minha garganta!

Meu amor é tormenta das profundezas emergida.
(Ai! Vai-te! Vai-te!) Vai-te, mas enforca,
Tropeça e manieta a minha dança de vida!

(31/1/2011 - Vila Verde)

(95387 - ultradownloads.uol.com.br)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Beijo amordaçado



Beijo amordaçado.
Beijo anão. Esquartejado.
Gémeo morto. Prematuro.
Ventre infecundo. Inchado.
Rubicundo. Pesado.
Amor inerte.
Amor abortado.
Amor perdido.
Amor rejeitado.

Beijo amordaçado.
Beijo ao chão lançado
E ao vento e ao mar.
Ventre infértil. Esquálido.
Esquelético. Inutilizado.
Amor sufocante.
Amor sufocado.
Amor delirante.
Amor assassinado.

 (31/1/2011 - Vila Verde)


(My birth, Frida Khalo, 1932)

Amor é morte sem frio


Meu amor em ti
Afunda-se na duna
E enche-se de areia no mar.
É tormento encapelado.
Vento encharcado.
Noite sem lua
Cravejada de raios.
Fortuna abandonada.
Dia de luto.
Casa destruída.
Pobre de outros.
Perdido no sítio.
Gigante preso.
Um menino velho.
Ser sem gente.
Sede de água quente.
Coração pensado.
Vida de luto.
Pensamento emocionado.
Estrela sem brilho.
Sol sem calor.
Olhar vazio.
Gota em monção.
Morte sem frio.

(31/01/2011 - Vila Verde)

(Thinking about death, Frida Khalo, 1943)

Um tudo-nada de amor

Amor é
Escravidão e serventia e solidão.
Mentira e gente e flor.
Animal e insecto e filosofia.
Pedra e matemática e religião.
Tudo? Nada? Então?

Tudo. Conjunto vazio.
Triângulo e par e união.
Mar e ar e idade.
País e história e cidade.
Pedagogia e soldado e canção.
Nada? Tudo? Então?

Nada. Infinito. Deserto.
Guerra e arma e rosa.
Água e tragédia e arqueologia.
Romance e finito e paixão.
Poema e número e sangue.
Ferida e dança e visão.
Então?

Braço e sonho e amizade.
Seio e árvore e mão.
Terra e quadro e escultura.
Química e física e razão.
Corpo e alma e saudade.
É um tudo-nada!
É lança torturando meu coração!