Oiço vozes para além do parapeito da janela.
Um cantor, na falésia, sonha em beber o mar...
O cerúleo céu é sem cor !
E eu, aqui, dormitando em pesadelos,
Meço em 37,7 a minha dor !...
Pregões de mulher rouca:
Sardinhas e palavras poluídas -
Rasgos do dia pendurados na corda da roupa...
E eu, aqui, auscultando as minhas feridas,
Achaques, pústulas, tremuras...
Um noise surdo, vibrante, contínuo,
Entrecortado pelo tinir do ferro de engomar -
em que a senhora ao lado é maestra !
E eu, aqui, em solfejos e gritos
Choro para desatino da orquestra !
É uma mulher que canta, agora.
É mesmo aqui ao lado, no quarto da engomadeira.
É uma mulher que contralta em gritos!
E eu, aqui, soprano, soltando gemidos
Enterrada nesta poltrona-cadeira !
Lá fora há passos e apitos,
Motores e um marulhar terrífico
De ruídos, barulhos, riscos ...
E eu, aqui, já minha cabeça estala ,
Já perdi o tempo, quiçá a fala !
Lá fora todos passam...
E eu ... para aqui, coitada !
Sem comentários:
Enviar um comentário