The broken column, Frida Khalo, 1944

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Segredo

Querido amante, querido amigo, meu amado,
Digo-te baixinho, porque não posso dizê-lo alto:
Dou-me como sempre me dei
E abraço-te como posso!
Beijo-te como consigo
E aperto-te com firme laço!
Ter-te aqui é meu anseio
E assim me apaixono!
Sei como te amo!

Amo-te como sei!
Digo-te como gosto
E possuo-te como vivo!
Amo muito, é o que faço!
Fazer-te feliz é meu desejo!
Posso tudo porque me abandono!
Querido amante, querido amigo, meu amado,
Digo-te isto baixinho, porque não posso dizê-lo alto!

(Vila Verde, 6/3/2011)
(The lovers, René Magritte, 1928, www.wahooart.com)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Escrevo com as palavras que sei

Escrevo com as palavras que sei
As canções que não cantamos
E pinto com as cores que roubei
Os poemas que não criamos.

Toco com as mãos que tenho
O corpo que não partilhamos
E aperto com as pernas o desenho
Do sentimento que não amamos.

Queimo com o sexo que é meu, não nosso,
Este amor que não trocamos
E carrego com angústia (isso posso!)
A história que não gritamos.

(Vila Verde, 7/3/2011)

(Contes erotiques, Vladimir Kush, www.metaphoricalvoyage.com)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A dança

Quando fiz amor com tua mão
Dancei com ela mas ela não dançou em mim!
Toquei teus dedos esquerdos
E dei-te todos os afectos!
Não tenho mais esperança,
Pois minha mão matou-se com sofreguidão!
Foi esta a única dança!

Minha mão direita na tua
Se deitou e cantou e bailou!
Adormeci-me em tua robusta palma
E entreguei-te minha imensa alma!
Não há mais esperança,
Pois minha mão perdeu-se nessa vastidão!
Foi essa a única dança!

Fui eu que esculpi com cores
Um a um, teus roliços dedos.
Contornei-os e folheei-os e amei-os,
Mas tuas estátuas são de pedra e de gelo!
Não sei da esperança,
Pois minha mão morreu em tal solidão!
Foi aquela a única dança!

(Vila Verde, 8/3/2011)

(fotografia encontrada em http://noahs-nightmare.blogspot.com/)

terça-feira, 19 de abril de 2011

No dia em que me quisesses

No dia em que me quisesses
Minha casa encontrarias
Aberta há anos para ti,
Meus sonhos conhecerias
Feitos de pedaços de ti,
Minhas histórias, enfim, lerias
Em perfumes de jasmim,
Em meu lago mergulharias
E percorrerias meu jardim.

No dia em que me quisesses
Minha alma descobririas
E seria toda a mulher para ti.
Botão de rosa desfolharias
Pleno de amores por ti.
Quantas noites não terias
Em que seríamos tu e eu em mim?
Neste livro que canções não amarias?
Que mais haveria se quisesses este fim?

(Vila Verde, 6/3/2011)

(Tour of subconsciousness, Jacek Yerka, 2008, www.terminartors.com)

domingo, 17 de abril de 2011

Saudade

A primeira palavra é saudade,
 Sempre que a madrugada amanhece
E é também a última quando a tarde anoitece.

Saudade dos silêncios que preenchemos,
Das histórias de família que contámos,
Das palavras ditas e também das imaginadas.
Saudade dos cafés sem café que bebemos,
Dos dias de infância que lembrámos,
E das músicas que ouvimos ao serem mencionadas.

Saudade dos livros que ambos lemos,
Dos diminutivos que, então, nos chamámos
E das dores que sentimos menos ao serem reveladas.
Saudade das vidas que, por aí, vivemos,
Dos filmes com que, outrora, sonhámos
E do destino sem tristezas adicionadas.

Saudade das profundas mágoas de que padecemos,
Dos caminhos por onde caminhámos
E das alegrias verdadeiramente partilhadas.
Saudade do futuro que não supusemos,
Do sonho que, a dois, não sonhámos
E das mãos que não viverão mais entrelaçadas.

E no intervalo, em que o sono sonhos tece,
Saudade é a palavra que nunca envelhece,
             Enquanto a minha vida lentamente se desvanece.
   
(Vila Verde, 17/04/2011)

          
(Resurrexit, Anselm Kiefer, 1973)

sábado, 16 de abril de 2011

Já viram a minha face?

Já viram a minha face?
Não a do lado de fora,
Mas a que nunca se vai embora?
Já viram meus olhos?
Não aqueles castanhos,
Mas os das dores? Tamanhos!
Já viram meus pobres braços?
Não os dois da mulher,
Mas os muitos de sofrer?
Já viram meus lábios?
Não os róseos, sorridentes,
Mas os de Gioconda, dormentes?
Já viram meus pés?
Não os de levemente andar,
Mas os de viver a tropeçar?
Já viram minha alma?
Não a pequena, mortal,
Mas a que em si é letal?
Já viram meu amplo coração?
Não aquele de viver,
Mas o outro, sempre a morrer?

(Vila Verde, 7/3/2011)

(arte digital, encontrada em http://maskofsanity.blogspot.com/)

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O meu amor é redondo

O meu amor é redondo
E o meu coração tem todos os lados.
O meu amor é uma esfera,
Mas o meu coração vive em espera!

O meu corpo ainda é roliço
E o meu olhar ainda é morno.
O meu corpo tem contorno
E o meu olhar tem feitiço.

O meu dorso é todo torto
E o meu seio já foi alimento.
O meu dorso é quase morto
E o meu seio não conhece fingimento.

O meu braço é curva e tangente
E a minha mão é anão gigante.
O meu braço tem calor de ternura
E a minha mão tem tanta brancura.

A minha mão é curta e ampla
E o meu indicador cala o segredo.
A minha mão a outra mão alcança
E os meus dedos agarram o meu medo.

A minha perna é mal torneada
E o meu pé é bem pequeno.
A minha perna permanece cruzada
E o meu pé faz um desenho.

O meu amor é redondo
E o meu coração tem todos os lados.
O meu amor é uma esfera,
Mas o meu coração vive em espera!

(Vila Verde, 12/03/2011)


(Judith, Gustav Klimt, 1909)



terça-feira, 12 de abril de 2011

O meu coração não tem tamanho

O meu coração não tem tamanho
E a solidão não se mede!
Dentro de mim sentes-te estranho!
De minha água ninguém bebe!

Não há paraíso nem inferno!
O teu amor é sempre efémero –
Outro sentimento eterno sinto! –
Mentes-me bem, mas eu não te minto!

O céu e a noite não têm fim
E o meu mar não tem fundo!
Morres, mas não por mim,
Que eu não sou deste mundo!

Um, sem o par, não quero ser!
Dois, a sós, isso não é viver!
Nestes seios há quente calor!
No teu sexo não existe amor!

Minha morte será doce
(Oh! Era tão bom que já o fosse!),
Pois minha vida é bem infeliz!
Isto é o que minha história diz!

(Vila Verde, 7/3/2011)

(The Asphodel Fields, Elsa Dax, www.terminartors.com)

sábado, 9 de abril de 2011

Já posso morrer ou matar-me

Já posso morrer ou matar-me!
Já escrevi o poema e a carta.
Já disse adeus. Já me despedi.
Deixarei de viver por aí!

Já dei o abraço e o beijo
No corpo todo e na face.
Já chorei tudo em teu seio
Falta apenas o desenlace!

Já posso morrer ou matar-me!
Já ponderei a hora e a data.
Já a cama e a veste escolhi.
Minha alma não será mais aqui!

Já disse os “ais!” e todas as palavras.
Cantei-os todos a rir e a chorar.
Espero, agora, viver nas trevas
E aí nunca mais te amar!

(Vila Verde, 7/3/2011)

(The death of Marat, Jacques Louis David, 1793)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Danço minha valsa à volta do meu corpo


Danço minha valsa à volta do meu corpo
E musico a canção sem instrumento.
Amo-te com todo o coração,
Mas não sei onde há teu movimento!

Conto encantatória história ao surdo
E escrevo palavras belas ao cego.
Amo-te com todo o coração,
Mas perco-me no teu vento!

Canto nossa balada a sós num duo
E cozinho para os dois e tudo como.
Amo-te com todo o coração,
Mas vivo sem o teu momento!

Abraço quem não tem braço
E embalo a cabeça do decapitado.
Amo-te com todo o coração,
Mas não conheço teu alento!

Pinto sem cores os membros e o dorso
E não vejo, tampouco, teu rosto.
Amo-te com todo o coração,
Mas queria ter outro sentimento!

 (Braga, 4/3/2011)

(2005 Port Warwick Art & Sculpture Festival, Newport News, VA, fot. de Digink, encontrado em www.flickart.com)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Assim canta meu fado



Sou cavaleiro apeado,
Cavalo não alado,
Alma sem corpo
De cabelo branco, morto!
Fada sem condão,
Corpo sem coração,
Sésamo sempre fechado
E Dorian sem retrato!
Adónis sem graça,
Diana sem caça,
Cupido sem seta
E arma que mata!
Música sem tom,
Dança sem som,
Estátua sem forma
E água que não jorra!
Romeu sem Julieta,
Palavra sem poeta,
Casa sem chão
E Eva sem Adão!


Tapete sem vento,
Miguel Ângelo sem pigmento,
Mona Lisa sem sorriso
E lâmpada sem Aladino!
Apolo sem guerra,
Rei sem terra,
Mitologia sem Zeus
E paraíso sem Deus!
Virgínia ainda hoje
E Verónica que sofre.
Madalena sem Jesus
E sofrimento em cruz!
Cândida só por vezes
E amante se quisesses!
Caixa de Pandora
Sempre e amanhã e agora!
Senhora sem aio.
Maia sem flores de Maio!
Caim sem Abel!
Meu destino tem cor isabel!
Posso ir-me já embora,
Sou pobre margarita todas as horas!


(Oyester no pearl, Cyn McCurry, www.artquotes.net)


terça-feira, 5 de abril de 2011

Absurdamente ninguém


Absurdamente só, assim me sinto,
Com o mundo à minha volta, me empurrando.
Estou-me a perder por aí sem ninguém saber quem sou.
Sem ninguém perceber como, sou transparente!

Totalmente enganadora, assim me minto,
Com tudo o que me dá vida e me vai matando.
Estou a iludir-me (ai!) sem ninguém saber porque jorra esta fonte.
Sem ninguém perceber como, sou demente!

Completamente vazia, assim me visto,
Com todos vós em meu redor, me enlouquecendo.
Estou a morrer por aí sem ninguém saber como me dou.
Sem ninguém perceber como, sou má gente!

Infinitamente pobre, assim me dispo,
Com tantas riquezas a tentarem-me e me enfraquecendo.
Estou a viver, para aí, sem ninguém saber exactamente onde.
Sem ninguém perceber como, sou indigente!

 (Vila Verde, 04/04/2011)

          
(The silence, John Henry Fuseli, 1799-1801)

Filosofia

Vou deitar-me
Gemendo meus ais,
Pois perdi o calor tão grande
E ganhei minhas febres e meu dengue!
Julgava esperar outro dia,
Mas isso cansar-me-ia!

Vou amordaçar-me,
Pois viver – jamais! –
Com coração exangue!
Digam “É tola! É insana!”
Julgava crer noutra filosofia,
Mas isso violar-me-ia!

Vou matar-me,
Pois não vivo mais!
Perdi lar e alma e sangue.
O não acordar amanhã
Não seria grande hipocrisia!
Ah! Isso sim, alegrar-me-ia!

(Vila Verde, 7/3/2011)
(The nightmare, John Henry Fuseli, 1781, em wikipedia.org)