The broken column, Frida Khalo, 1944

sábado, 20 de abril de 2013

Paixão e ressurreição

Barrocas eram as colunas do labirinto envolto em sons tubulares,
Enterrado no escuro fundo, longe de marés e de mares,
A distâncias infinitas, mas visíveis, daqueles do tempo do berço,
Sem tochas nem velas e que encerrava uma noiva olvidada do terço.

Louca de branco correndo entre as colunas naquele eterno fingir,
Tem lábios sempre vomitando vermelho sangue e ralo o cabelo,
Vive num esforço inumano para não deixar de loucura tingir
Roupas e santos e lajes frias, arrancadas ao granítico penedo.

O vestido foi crescendo e ganhando cor ao longo do tempo,
Mas as rugas não assinalaram nele qualquer assustador momento.
Do corpo, esperar-se-ia dorido, torto, de paixão morto e sem gorduras,
Mas, esbeltos, seu corpo e até seus olhos castanhos, ganharam curvas.

Tudo porque escutou o cântico com que o profeta de barba branca iluminou
As terras verdes do mundo de fora, quando a porta do labirinto tombou.
O ancião com feitiços, e do coração do homem e das leis conhecimento,
Olhou-a nos olhos bem fundo, a desnudou e a libertou para o sentimento.

Enquanto o anjo apoiava a noiva, no cotovelo esquerdo, com a sua quente mão,
As escadas, para a direita, ela subia, levantando e arrastando o longo vestido
Onde emergiam rosas em arcos de azul e laranja e tantas outras cores! Ah! Se não
Era um manto na natureza enraizado, e no seu colo o mar em fio!

Despedindo-se, aquele terno e belo e bom Jesus, ao terminar a escadaria,
Acarinhou sua doce e serena face. Na alta colina tudo estava e daí tudo se via:
Homens, cidades, montanhas, ares e águas em nuvens, rios e mares…
Quem os noivos aguardava, em êxtase ouviu: “Ama-me enquanto me amares!”

(Vila Verde, 01/04/2013, 2ª feira Páscoa– ao profeta A.)

(Home, Jeroen Buitenman, in www.jeroenbuitenman.nl )

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Em que tempo feneço?



Do futuro não há, de nós, memórias,
Do passado não restam lendas ou histórias,
No presente nada é ou existe
E da eternidade, que verás, vês ou viste?

Vês como o meu corpo se afoga num buraco negro?
Já não to dou (mas invisivelmente ainda to entrego)
Porque agora que não há dia ou noite com sol ou lua
A minha alma sofre, estropiada e nua.

Do passado, viste como as lembranças são mortas
E as dores do corpo, como deixaram a mente e as costas tortas?
Se nasci, não há minuto, hora, dia, ano ou registo,
Pois ninguém recorda qualquer choro ou grito.

Do futuro, que dizes? Não há possibilidade de horóscopo
Nem estrelas antigas ou cadentes que ver pelo velho telescópio.
Apenas afirmas que a linha da vida não saberá viver na minha mão!
Amor, diz-me em que tempo feneço neste infinito de ilusão?

Do futuro não há, de nós, memórias,
Do passado não restam lendas ou histórias,
No presente nada é ou existe
E da eternidade, que verás, vês ou viste?

(Vila Verde, 14/02/2012)

(Mulher cão, 1994, Paula Rego, http://daniname.worldpress.com)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A tranquilidade da foice

No dia do silêncio,
Ou no silêncio do dia,
Surge a noite por mim adentro
E morro sem viver na alegria.

Noutra era, não fora
Eu, mas ela quem calou
O corpo doentio na hora
Em que a alma se separou.

Nesse dia de chorar,
A felicidade outra vez se perdeu
E o futuro não ousaste antecipar
Até encontrares outra, que não eu.

Hoje é o dia e a noite
De nada guardar e tudo perder,
Peço-te, então, a tranquilidade da foice
Pelo meu coração a descer.

(Vila Verde, 13 e 26/01/2012)

(Unos cuantos piquetitos, Frida Khalo, 1935, www.es.wahooart.com)

sábado, 31 de dezembro de 2011

Em nenhum lado de mim

Sentir-me vazia no meio
Dos que de vazio se sentem cheios,
Dos que não conhecem outras idades,
Horas, filhos, nem outras felicidades...

Sentir-me com medo
Dos que se levantam e deitam cedo,
Dos que não têm palavras para contar,
Nem sonhos nem pesadelos são capazes de imaginar...

Sentir-me no exacto sítio
Onde começa e termina o precipício
Dos que não têm morada
E aprendem a viver em nenhum lado da estrada...

Sentir-me de alma despedaçada
É sentir que a falta de amor num corpo é a maior ameaça!
- E em nenhum lado de mim encontro o teu e o dos outros,
Que afinal vivemos, apenas, por sermos loucos.

Braga, 10/12/2011

(Les jours gigantesques, René Magritte, http://niilismo.net)

Matam de dor as palavras

Quando uma palavra se escreve
Mas não se deixa que seja mencionada,
Ou um poema em sacos segue
Rumo à censura, à brigada,

Carrega-se um pesado cruzamento
De duas estranhas longitudes
De madeira pregadas, sem unguento,
Ainda que esperando cúmplices atitudes.

Quando poesias se escrevem, e são de amor,
Devem ser livres, devem ser lidas,
Para que ninguém mate de dor
As originais palavras! Não as queiram reescritas...

E se papel não houver, por ocasião,
Cantem-se as palavras juntando melodias
E deixem que se transformem todos os nãos
Nas mais sonantes e reais fantasias.

(Braga, 10/12/2011)

(The places where we go, Michael Maier, 2008, http://en.aertoffer.com/)

domingo, 18 de dezembro de 2011

História sem hora


Que dia longo o dia que vivo!
Não preciso usar relógio, pois, sinto
Segundos infindos em mim
E horas curtas para a tua rosa, nunca carmim!

Eu afasto-me quando quero aproximar-me,
Não te beijo quando o sonho é entregar-me,
Permito que o prazer seja apenas teu
E esqueço-me de tudo o que podia ser teu e meu!

Dás-me milhares de beijos na face, o que me aquece
E eternidades de carinho - tal não se esquece!
Mas o amor é meu, o que escreve histórias,
E das horas que não existem tenho as mais belas memórias!

27/11/2011

(Finalidade sem fim, Cruzeiro Seixas, www.artnert.com)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Carinho


Carinho tens em teus olhos,
Lágrimas, também, soltas aos molhos.
Cabelos, vais perdendo um a um:
Grisalhos! Na minha mão, nenhum!

És magro, mas de vida forte.
És baixo, mas o meu norte.
Beijas-me com sentimento efusivo.
Tentas amar-me porque tens coração vazio.

Alma aberta aos gritos e ao vento.
Memória capaz de entender mitos no momento.
Oráculo - de palavras fazes previsão:
Quando penso no sim, já sabes que direi não!

Figuras familiares presentes, quando ausentes,
Os de ontem, os de hoje e os que serão adolescentes,
Conheço-os a todos, (como a ti) sem o saberem.
Carinho, carinho meu têm, sem me terem!

28/11/2011

(Le bouquet tout fait, René Magritte, 1956, www.donnamoderna.com)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Felicidade sem sonho


Sonhei que sonhava o teu sonho,
Mas acordei sem sono e agitada
Porque deitada no meu restolho,
A minha felicidade foi sufocada.

A mulher que era, não eu,
Em tua casa dormiu belo sono.
Eu apenas conheço celeiro meu,
Pesadelos e amplas dores no ombro

Esquerdo – porque sonho que durmo
Voltada para o outro lado, o direito.
Contigo os meus gestos podiam ser o mundo
A preencherem o meu corpo inteiro.

Mas esta vida megera que vivo
É cálice eterno e universal!
Quando dele tentas beber meu vinho,
Encontra-lo, não tinto, mas de dor abissal!

Deixei de sonhar que aqui permaneço
E de dia e de noite, não fecho nenhum olho.
Alerta vivo e tudo duplamente ouço
Porque sem uma felicidade sem sonho, eu morro!

27/11/2011


(The double secret, René Magritte, 1927, in http://www.seamstressfortheband.org/)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Beijo infinito

Qual o beijo que te dei?
O que deste? Igual ao meu?
O beijo do infinito, que sei,
Ou o beijo do finito sem deus?

O beijo que beijo ainda agora,
O beijo, permanente e aqui,
Está como esteve, noutra hora,
Em nossos lábios, que viveram por aí!

Beijo eterno, sem duração,
Que não se mede, mas se sente,
Ontem e agora - Sentes a minha emoção?
Meu amor, beijo o beijo ternamente!

(27/11/11)

 (O Beijo, Gustav Klimt, 1907-08)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Noite dos segredos


Lembras-te da noite dos segredos
E de tantas outras histórias de medos?
De como partilhámos uma almofada
Como se contássemos um conto de fada?

Duas cabeças unidas por um beijo,
Teu corpo colado ao meu, excepto um seio,
Minhas mãos apaziguando teu rosto
Como dona de amante gosto.

Beijando e tocando teu rosto pequeno,
Querendo tudo beber, mesmo não podendo,
Acalmando pesadelos coloridos de xadrez,
De terras que de, tão perto, do mar eram longe, daquela vez.

São lembranças que nunca serão esquecidas,
Castigos e violências não merecidas,
Que relembramos sempre que me beijas,
Mas que não te contêm o desejo, quando me anseias.

Quantas mulheres te chamaram nomes
Esquecendo as tuas grandezas enormes!
Eu chamo-te doces palavras, que ouvirias
Porque do meu amor, já to disse, digo, e tu, dirias?

(Braga, 09/11/11)

(Attempting the impossible, René Magritte, 1928, http://hourofidleness.worldpress.com)

sábado, 15 de outubro de 2011

As dores do vazio


Meu anjo-amor,
Não me deixes ler livros de poemas!
Encosta-te a mim, anjo vestido de branco!
Não vês como tremem minhas mãos
E meu corpo tacteia, como velha criança?

Serás, afinal, anjo-diabo
Que não rasga os livros de palavras duras,
Onde encontro todas as minhas dores,
E que não me castiga nem me mata
Porque tanto me deseja neste mundo?

Serias o meu anjo-deus
Se me quisesses no lado sem mar salgado!
Serias tu quem aí me aconchegaria os cobertores
E me aqueceria, finalmente, a alma e os pés frios.
Diz-me, meu anjo, aceitarias matar-me as dores do vazio?

(Vila Verde, 15/10/2011)
(Faceless composition, Lara Jade, http://designmagazine.us/)

sábado, 3 de setembro de 2011

Na foz

Estar na foz do Douro
Sentindo o vento em meu cabelo
É desejar ser feliz
E é, porventura, já sê-lo!

A espuma branca das ondas
É teu sémen em meu ventre...
Elas gemem...
Meu corpo sente!

Elas têm seu orgasmo
De onda em onda...
Eu tenho quando me amas!
Ah! Meu ser não é mais o mesmo!

Eu sou quem anseia
Ter-te em mim, a cada momento!
Tu és a onda branca e eu a areia...
Tu me satisfazes debaixo do firmamento!

O vento penetra o meu cabelo;
O mar, areias e algas!
Eu quero sempre tê-lo;
E ele, penetrá-las !

Estar na foz do Douro
Sentindo o vento em meu cabelo
É desejar ser feliz
E é, porventura, já sê-lo!

(Absents of the mermaid, Octavio Ocampo, http://www.visionsfineart.com/

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quando o aqui não há

Quando o aqui não há,
O além não é,
Não há felicidade que me atinja,
Sol que me penetre,
Só pús que me corrói!

Quando não é aqui que estou,
Nem ali onde as flores são belas,
Será que existo? Será que sou
Múmia desfazendo-se em pó?

Não há caixão que me retenha,
Não há terra onde me deite,
Sol que me penetre,
Só pús que me corrói!

Quando não há aqui e agora,
Onde estou??

(Perspectives: Madame Récamier by David, René Magritte, 1951, http://mydailyartdisplay.worldpress.com/)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Esqueleto sem nome

Outrora ela era a mais bela
Daquelas raparigas banais.
Hoje, nenhum atributo tem ela,
Pertence às piores entre as demais.

A tristeza apodera-se
Do coração de menina
E a mulher sufoca
Diminui…
Fica tão pequenina.

Os cabelos…
Corta-os Sansão!
Neles está a força
Da tristeza.
Eles são
O coração de sua cabeça.
Era bela a trança dela…

Seus lábios alegria não têm.
Seus cabelos bailaram ao vento…
Seus lábios secam sem beijos…
Seus ombros não têm carinho…
Seu filho já não a abraça mais…
Seu corpo não sabe fazer amor…
Não conhece mais que a noite…
Desfaz-se sem outros filhos…
Mestrua-se e morre.

Quer ter cancro e fugir…
Ir para o mais alto monte
E aí jazer…
Aquele esqueleto
Sem nome.

(Chris Peters, para CD "On my own" de Travis Barker ft. Corey Taylor, in http://www.chrispeters.com/)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mar de amar

Água que banha meu corpo de amor...
Terna água com teu sal adoças meu ser...
Doce água, em ti há vida de infinito...
Há estrelas e luar cintilando
em tua branca espuma...
Papel amarrotado saltando ao vento,
papagaios de papel empurrados para a margem
e seus cordéis em minhas mãos...
e mais... e mais...
e mais águas e espumas...
banho marítimo embrenhado
em luz verde e em noite...
e mais...e mais...
Meus cabelos são já algas,
corais coroam minha cabeça.
Meus seios são já rochas
onde a nívea espuma se mata,
neve que derrete de altas montanhas...
Minhas pernas e meus braços
são rochedos submersos
e um papagaio desfeito
cobre-me...
e mais... e mais...

E eu sou já mar... de amar
mar de amar... mar...
amar... mar
amar...
e mais... e mais...

(The sea of tears, Carrie Ann Baade, 2006, http://www.surrealism.com)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Demo


Hoje é o dia de chorar!
Chorar sem lágrimas de dor.
Lágrimas de ódio são o que tenho
Para te mostrar, ó demo!

Hoje é o dia da tristeza!
Não sou triste pelo que sou
Mas por aquilo que fui e pensei não ser...
Ah! que dor esta, sempre a doer...

Hoje é o dia das lágrimas!
Chove na rua e em mim...
Chuva que queima ao tocar!
Ah! meu coração não tem fim...

Hoje é o dia de chorar!
Chorar sem lágrimas de dor.
Lágrimas de ódio são o que tenho
Para te mostrar, ó demo!

Tu sempre me iludiste...
Uma cara e dois corações possuías!
E, agora, descobri-te...
E sou estupefacta e doentia!

Ah, hoje é o dia de chorar!
Chorar sem lágrimas de dor.
Lágrimas de ódio são o que tenho
Para te queimar, ó demo !

Com estas lágrimas cortantes,
Água e terra e fogo unidos
Vou mostrar-te, ó demo,
Que chegou o dia do Juízo!

Ah! Ah! Ah!
Hoje é o dia de chorar!
Chorar lágrimas de riso!
Lágrimas diabólicas são o que tenho
Para te trucidar, ó demo !

Ah!Ah! Ah!
Para te matar, ó demo!!
(The interrogator's garden, Paula Rego, 2000)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Quando ele revela a sua alma


 
Quando ele revela sua alma
Monstro cavalgante se apresenta...
Bebe de mim todas as forças...
Quer-me doente!

Monstro sanguíneo e horroroso,
Quem pensas tu que és neste mundo?
O Rei, o dono do mundo?
És cruel e lancinante é teu olhar!
Com ele magoas-me e eu choro...
Pois monstro és e eu já não te adoro...

Quando ele revela sua alma
Monstro cavalgante se apresenta...
Bebe de mim todas as forças...
Quer-me doente!

Monstro horrível e pútrido,
Quem pensas ser neste lado da terra?
O dono, o senhor de que quimera?
Ah, não! Não és o dono de sonhos,
Mas de pesadelos...

Meu corpo pesa só de pensar em ti
E em tu a tê-los...
Monstro que tudo queres devorar...
Minha alma, meu sangue...
És doente e diabo que
Morrerá exângue !
Ah, sim, morrerás sem sangue!

Pois eu, ao ver tua alma nua, despida ,
Descobri que não te queria...
Como pude desejar-te e amar-te?
Dar-te minha alma e minha vida?
Para que tu morresses, eu morreria,

Monstro sangrando de alegria...
És canibal! E olha,
Para que tu morresses, eu morreria!
Só assim meu sofrimento não mais sofreria..
E eu, morta, viveria.

(Swallows the poisoned apple, Paula Rego, 1995)