The broken column, Frida Khalo, 1944

sábado, 31 de dezembro de 2011

Em nenhum lado de mim

Sentir-me vazia no meio
Dos que de vazio se sentem cheios,
Dos que não conhecem outras idades,
Horas, filhos, nem outras felicidades...

Sentir-me com medo
Dos que se levantam e deitam cedo,
Dos que não têm palavras para contar,
Nem sonhos nem pesadelos são capazes de imaginar...

Sentir-me no exacto sítio
Onde começa e termina o precipício
Dos que não têm morada
E aprendem a viver em nenhum lado da estrada...

Sentir-me de alma despedaçada
É sentir que a falta de amor num corpo é a maior ameaça!
- E em nenhum lado de mim encontro o teu e o dos outros,
Que afinal vivemos, apenas, por sermos loucos.

Braga, 10/12/2011

(Les jours gigantesques, René Magritte, http://niilismo.net)

Matam de dor as palavras

Quando uma palavra se escreve
Mas não se deixa que seja mencionada,
Ou um poema em sacos segue
Rumo à censura, à brigada,

Carrega-se um pesado cruzamento
De duas estranhas longitudes
De madeira pregadas, sem unguento,
Ainda que esperando cúmplices atitudes.

Quando poesias se escrevem, e são de amor,
Devem ser livres, devem ser lidas,
Para que ninguém mate de dor
As originais palavras! Não as queiram reescritas...

E se papel não houver, por ocasião,
Cantem-se as palavras juntando melodias
E deixem que se transformem todos os nãos
Nas mais sonantes e reais fantasias.

(Braga, 10/12/2011)

(The places where we go, Michael Maier, 2008, http://en.aertoffer.com/)

domingo, 18 de dezembro de 2011

História sem hora


Que dia longo o dia que vivo!
Não preciso usar relógio, pois, sinto
Segundos infindos em mim
E horas curtas para a tua rosa, nunca carmim!

Eu afasto-me quando quero aproximar-me,
Não te beijo quando o sonho é entregar-me,
Permito que o prazer seja apenas teu
E esqueço-me de tudo o que podia ser teu e meu!

Dás-me milhares de beijos na face, o que me aquece
E eternidades de carinho - tal não se esquece!
Mas o amor é meu, o que escreve histórias,
E das horas que não existem tenho as mais belas memórias!

27/11/2011

(Finalidade sem fim, Cruzeiro Seixas, www.artnert.com)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Carinho


Carinho tens em teus olhos,
Lágrimas, também, soltas aos molhos.
Cabelos, vais perdendo um a um:
Grisalhos! Na minha mão, nenhum!

És magro, mas de vida forte.
És baixo, mas o meu norte.
Beijas-me com sentimento efusivo.
Tentas amar-me porque tens coração vazio.

Alma aberta aos gritos e ao vento.
Memória capaz de entender mitos no momento.
Oráculo - de palavras fazes previsão:
Quando penso no sim, já sabes que direi não!

Figuras familiares presentes, quando ausentes,
Os de ontem, os de hoje e os que serão adolescentes,
Conheço-os a todos, (como a ti) sem o saberem.
Carinho, carinho meu têm, sem me terem!

28/11/2011

(Le bouquet tout fait, René Magritte, 1956, www.donnamoderna.com)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Felicidade sem sonho


Sonhei que sonhava o teu sonho,
Mas acordei sem sono e agitada
Porque deitada no meu restolho,
A minha felicidade foi sufocada.

A mulher que era, não eu,
Em tua casa dormiu belo sono.
Eu apenas conheço celeiro meu,
Pesadelos e amplas dores no ombro

Esquerdo – porque sonho que durmo
Voltada para o outro lado, o direito.
Contigo os meus gestos podiam ser o mundo
A preencherem o meu corpo inteiro.

Mas esta vida megera que vivo
É cálice eterno e universal!
Quando dele tentas beber meu vinho,
Encontra-lo, não tinto, mas de dor abissal!

Deixei de sonhar que aqui permaneço
E de dia e de noite, não fecho nenhum olho.
Alerta vivo e tudo duplamente ouço
Porque sem uma felicidade sem sonho, eu morro!

27/11/2011


(The double secret, René Magritte, 1927, in http://www.seamstressfortheband.org/)